Resgate Benzedeiras

Desde os tempos mais remotos a sabedoria ancestral está ligada diretamente à cultura e história dos povos. Em cada canto existem pessoas que detêm um conhecimento milenar em chás de ervas, rezas, banhos e benzimentos e que os aplicam em um contexto social e que através dessas práticas conseguem conter e até mesmo sanar males daqueles que os procuram. Muitos desses conhecimentos foram adquiridos de geração em geração, da  criança que via sua avó, seu avô, sua mãe, seu pai, um tio, uma tia, aplicando as técnicas e que através da observação aprendiam e dali em diante levavam para a vida. Se não nesse contexto, o aprendizado era passado porque seu mais velho ou mais velha tinha consciência que se não passasse esse conhecimento, se perderia e seria esquecido como sua passagem pela terra.

Segundo Feitosa (2012, p. 101) “este conhecimento está ameaçado pela modernidade onde há a desvalorização da preservação do meio ambiente, constantemente perturbado pelas práticas agrícolas intensivas de alta tecnologia, como as que estão sendo implantadas nos cerrados.” Para muitas comunidades tradicionais esses conhecimentos são um verdadeiro tesouro representando a principal riqueza de seu povo. É no fazer e aprender do cultivo que os conhecimentos tradicionais são repassados, mantendo assim os laços de ancestralidade e convívio nas comunidades.

Dessa forma, devemos olhar para as políticas públicas que visam o resgate cultural dessas práticas, como ferramentas capazes de realizar um trabalho fundamental de permanência da cultura ancestral, nesse caso os conhecimentos das plantas, das rezas, da fabricação de chás, para as novas gerações. 

Nesse contexto surge a parte documental do Projeto de Implantação da Rede PICS Bahia, que visa nos municípios de Livramento de Nossa Senhora, Lagoa Real, Caetité, Guanambi e Palmas de Monte Alto, mapear e registrar benzedeiras e raizeiras que ainda utilizam seus conhecimentos das plantas e, dessa forma deixar como documento de resgate para que as gerações atuais e gerações futuras tenham acesso e utilize como instrumento potencializador de continuidade das práticas.

Miralda Costa de Araújo Guimarães, 75 anos, mais conhecida como Dona Mira, moradora da Comunidade de Fazenda Santa Monica, é procurada por quem quer receita de plantas medicinais. Dona Mira não se considera curandeira ou cientista, mas raizeira, como tantas na região. ‘Eu ensino raízes’, define. 

Ela também possui o dom do benzimento, como relata em nossa entrevista. Segundo ela, quando era criança observava sua avó e sua mãe benzer os vizinhos, ouvia os canticos e as rezas, mas não conseguia decorar nenhuma palavra. O tempo passou, teve filhos, e um dia, após um filho ficar muito doente, ela antes de ir dormir pediu para que os ancestrais a ajudassem, e naquela noite, em um sonho, Dona Mira lembrou de uma reza completa, dali em diante nunca mais esqueceu e usou seu dom para sempre ajudar o próximo.

Dona Otácia Rosa Mafra, 76 anos, tem uma verdadeira farmácia viva em sua casa numa rua no centro do município de Livramento de Nossa Senhora, no Sudoeste da Bahia. Ela recebe visitas de quem busca dicas sobre plantas medicinais para tratamento de saúde. 

Depois de morar por muito tempo no município vizinho de Rio de Contas, Chapada Diamantina, aprendeu os segredos das plantas da região através dos ensinamentos passados por sua avó, onde colhia raízes, ervas e frutas. Aposentada, Dona Otácia ainda usa os seus conhecimentos para realizar benzimentos em quem a procura.

Em sua casa, no povoado Quilombola do Amola Faca, no município de Livramento de Nossa Senhora, no sudoeste da Bahia, Dona Maria Alves do Livramento, 71 anos, popularmente conhecida como Tia Bia, é uma Yalorixá respeitada e com um carisma ímpar. A cada dia muitas pessoas vão procurá-la para tratar da saúde, pedir banhos de limpeza espiritual e se consultar através do jogo de búzios. Tia Bia guarda também um conhecimento vasto das plantas e o seu poder e é capaz de reconhecer, dar nomes e dizer para qual tipo de enfermidades as folhas ou raiz daquela planta é capaz de agir.